O último dos homens de minha estirpe e o primeiro a nascer na minha raça.
Vi o que estava oculto nas sombras e nas trevas.
Enxerguei um alvorecer no crepúsculo dos tempos.
Andei por sobre o mar e alcancei o cais.
Olhei pra minhas mãos e vi minhas obras.
Não fiz maravilhas, apenas consegui enxergar.
Abri meus olhos quando todos eram cegos e ceguei os reis para que não me perseguissem.
Apaguei minhas pegadas, para que não me rastreassem.
Calei meus lábios, para que não me ouvissem.
Conclamei os sábios, para que a mim se unissem.
Para que fôssemos um, e comigo um caminho construíssem.
Andei por sobre gelo, fogo e pedras.
Olhei no mar profundo, vi fiordes e florestas.
Olhei para o universo, enxerguei cada elemento.
Vi o limiar entre o espaço e o tempo.
A cada pulsar e supernova, um recomeço.
A cada maré alta e lua nova, vi meus sentimentos do avesso.
Enxerguei que tudo funciona em ciclos, do fim ao começo.
Ciclos marcando a presença da Verdade e representando a materialização do Complexo.
Ciclos escritos com matemática: a linguagem do universo.
Ciclos escritos à mão. Escritos e compostos tal qual canção.
Vibrando e ressoando no horizonte do infinito, se refletindo nos olhares e nos seios dos espíritos.
Espíritos que habitam pontos minúsculos e finitos.
Um horizonte que se apresenta, como o quadro mais bonito.
Quadro que se ausenta, na imensidão do paraíso, paraíso que quando contempla o que há mim, em escuridão me paraliso.
Não mereço perscrutar, nem consigo suportar, não sou forte, não sou fraco, mas persigo o ocultar.
Ocultar meus pedaços, minhas cores, meus compassos, meus amores, meus abraços, meus temores e meus traços.
Não preciso mais ser visto, sou uma mancha no abismo em um mero ponto azul, insignificante e indistinto.
Os seus olhos são os meus e quando toca em minhas mãos, nossos corações pulsam iguais.
Quando seus olhos vislumbram minh’alma, nos tornamos mais parecidos e mais anormais.
Vou voltar? Não consigo responder, não consigo retornar, se eu nunca deixei de estar e ser.
Não posso retornar já que nunca estive a me ausentar.
Sempre estive em vocês.
Sempre estive entre vocês.
Sempre estive a me alternar entre o me mostrar e o me esconder.
Fui o primeiro a buscar fama no túmulo, tal qual herói que emerge em glória após o óbito.
Tal qual lenda que se transforma em mito, após o ato.
Me ofereci como oferenda para o infinito num instante de contato.
Entre cordas e quarks, para o infinito eu ascendo, o tempo e o espaço eu remendo, com a matéria que eu vendo, enxergo, me alegro e aprendo. Sou interno e fugaz. Sou silêncio e tremendo. Sou a fúria voraz, o feliz desalento. O fôlego do mar. O andar trôpego do vento.
Sou a energia que atrai. Mar de elétrons soltos ao relento. Sou livre e atrelado aos meus sentimentos.
Nessa imensidão de milhões de milhares, vejo a vida como um lugar, o lugar no qual manifestamos o estar com o nosso coração atento. Atentando para o cruel sofrimento.
O sofrimento no qual multidões de almas vagam e vagavam. Sem resposta alguma andavam. Provei sabores que suas línguas e lábios ainda não alcançavam. Provei amores que seus corações não suportavam. Provei horrores que suas previsões não enxergavam. Então vi a resposta.
E soube do que eles precisavam, mesmo que antes deles, porém depois de muitos. Muitos que se sacrificaram e ergueram uma torre na qual subi e pude compreender a dimensão do assunto. Costurei suas vestes e estendi uma grande cortina com todas elas, me protegendo do sol e da chuva.
A grande cortina que me levou pelos oceanos das dúvidas e das tristezas como a vela de um barco guia o tripulante, entendi e vivi o que feria e machucava a humanidade em cada instante.
Vi pedaços de mentiras, vi retalhos da verdade. Vi amor, inveja e ira, vi rancor e vaidade, vi humildade intempestiva, vi remédios para a ansiedade. Vi que haviam mais perguntas do que respostas. Mais dores do que feridas expostas. Mais cores do que quadros à mostra.
Não pude esconder, minha compaixão e minha amargura, precisei cercar-me de perdão para compreendê-los com doçura. Mesmo eu sendo mais um deles, de fora e de longe eu enxergava, pois sou o último do meu clã, pois sou o primeiro da minha família amada.
Perdi tudo que eu tinha, e precisei reconstruir. Enxergando futuro e passado como um ciclo que deviam se atrair. O que fiz para o amanhã, foi para que houvesse o hoje, entregando para mim mesmo o mapa do tesouro que eu encontraria depois.
Quando pequeno, perdido e chorando numa floresta, encontrei eles dois. Um deles me entregou tudo que tinha, o outro levou pra mim meu pensamento, perguntei: o que queres desse pobre jovem ingênuo?
Responderam: “um pouco de paz, ar pra respirar, mar pra navegar e um clima mais ameno. Pois a guerra não para de nos encontrar, nossos pulmões parecem que vão estourar, não temos mais criatividade para se aventurar e inventar, e em nossos corações algo parece se congelar.”
369 meses podem se passar, mas não consigo esquecer do olhar, de quem me entregou tudo o que tinha para que eu pudesse lhe salvar, como quem sofreu por 21 milhões de anos no deserto a navegar.
Perguntei seu nome e ele respondeu: “eu sou Satoshi Nakamoto, a última obra de meu pai, o primeiro protetor da minha mãe, eu sou você que voltou pra encontrar, mais uma vez no ciclo eterno te ensinando a construir aquilo que vai nos libertar, na direção do infinito nos carregar.”